Hoje, ela cruzou o vidro.
Do outro lado, olhos suplicavam por carinho, mas não eram só olhos felinos.
Havia ali também a ausência de quem um dia chamou de lar,
E a presença de tudo que um dia ela foi… e não quer mais ser.
Ela podia ter entrado.
O impulso era esse: voltar a ser quem cuidava, quem deixava bilhetes na ausência,
quem limpava a bagunça dos outros sem ninguém pedir.
Mas ela ficou do lado de fora.
Porque agora o limite é claro como o silêncio que lhe foi dado em troca.
Ela chorou, claro que chorou.
Mas não entrou.
E isso muda tudo.
Não importa se lá dentro está a lembrança do cheiro,
ou a bagunça que ele sempre achou que alguém limparia.
Ela já não é mais esse "alguém".
Não está mais disponível. Nem pros restos. Nem pro pouco.
Ela voltou pra casa com o coração apertado,
mas firme, como quem escreve um novo capítulo com lágrimas, mas sem regressos.
Ela não estalkeou, não procurou saber.
Ela decidiu fingir que ele não mora mais aqui.
E talvez, de fato, ele não more.
Nem naquele apartamento…
nem em lugar nenhum que mereça permanência dentro dela.
Ela sabe o que carrega:
o amor que deu, a presença que foi, o cuidado que ninguém mais vai repetir.
E se ele um dia lembrar disso, que lembre em silêncio.
Porque o tempo de buscar migalhas passou.
Hoje, ela escolheu a si mesma.
E isso, mesmo com dor, é a maior vitória.
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